segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Esperando Godot - Samuel Beckett








SAMUEL BECKETT

[1906 – 1989]


Esperando Godot

(Waiting for Godot; En attendant Godot) [1949; 1952]

[trecho]


ESTRAGON
Enquanto esperamos, vamos tratar de conversar com calma, já que calados não conseguimos ficar.
VLADIMIR
É verdade, somos inesgotáveis.
ESTRAGON
Para não pensar.
VLADIMIR
Temos nossas desculpas.
ESTRAGON
Para não ouvir.
VLADIMIR
Temos nossas razões.
ESTRAGON
Todas as vozes mortas.
VLADIMIR
Um rumor de asas.
ESTRAGON
De folhas.
VLADIMIR
De areia.
ESTRAGON
De folhas.

Silêncio.

VLADIMIR
Falam todas ao mesmo tempo.
ESTRAGON
Cada uma consigo própria.

Silêncio.

VLADIMIR
Melhor, cochicham.
ESTRAGON
Murmuram.
VLADIMIR
Sussurram.
ESTRAGON
Murmuram.

Silêncio.

VLADIMIR
E falam do quê?
ESTRAGON
Da vida que viveram.


[…]





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Obra-prima do dramaturgo, romancista e poeta irlandês Samuel Beckett (1906-1989), ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1969. Samuel Beckett, o criador da farsa metafísica Morto há dez anos, o autor irlandês iniciou sua obra teatral com a peça “Esperando Godot”, na qual os clochards Vladimir e Estragon representam o homem eternamente à espera. Incontestável é o prestígio de Beckett, por toda parte, conforme atestam constantes encenações e publicações a ele dedicadas e que proliferam sobretudo por ocasião de seus aniversários - são os 70 anos, os 80 anos, os 90 anos do seu nascimento ou, como agora, os dez anos de sua morte, ocorrida a 22 de dezembro de 1989.

Muito já foi dito e redito sobre seu teatro, iniciado com a nunca suficientemente elogiada peça Esperando Godot (composta entre outubro de 1948 e janeiro de 1949), aquela farsa trágica ou tragédia farsesca do homem, o herói que expia o pecado de haver nascido ou, como diz textualmente o Beckett ensaísta, em Proust (1930): "A figura trágica representa a expiação do pecado original", e ainda "o maior delito do homem é o de haver nascido".


segunda-feira, 11 de novembro de 2013

2 poemas de MANOEL DE BARROS











MANOEL DE BARROS



O apanhador de desperdícios
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios



in: MEMÓRIAS INVENTADAS para crianças






VII

No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer
nascimentos —
O verbo tem que pegar delírio.



In: Livro das ignorãças





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