sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Conversa sobre Poesia com o Fiscal de rendas - Maiakóvski





VLADIMIR MAIAKÓVSKI


РАЗГОВОР С ФИНИНСПЕКТОРОМ О ПОЭЗИИ

CONVERSA SOBRE POESIA COM O FISCAL DE RENDAS


Cidadão fiscal de rendas!
                                       Desculpe a liberdade.
Obrigado...
                 Não se incomode...
                                               Estou à vontade.
A matéria
                 que me traz
                                   é algo extraordinária:
o lugar do
                    poeta
                               na sociedade proletária.
Ao lado
dos donos
de terras e vendas
estou também
citado
por débitos fiscais.
Você me exige
500 rublos
por 6 meses e mais
25 por falta
de declaração de rendas.
O meu trabalho
a todo
outro trabalho
é igual.
Veja só
quantas perdas de vulto,
que despesas
requerem
meus produtos
e quantos gastos
com material.
Você conhece
por certo
o fenômeno "rima":
suponha
que uma linha
finde na palavra "pai"
e que ao fim da
outra linha,
menos uma,
se imprima
por exemplo
a palavra
"lampaiapapai".
Em linguagem de fisco
a rima
é uma letra a termo fixo
para desconto
ao fim da linha
sem mais prazos.
E sai-se à caça
da minúcia
de flexão ou sufixo
na caixa escassa
das conjugações
e casos.
Tenta-se pôr
essa palavra
numa linha
mas ela não cabe,
força-se
e ela se esfarinha.
Cidadão fiscal de rendas,
eu lhe juro,
as palavras custam
ao poeta
um duro juro.
Para nós,
a rima
é um barril.
Barril de dinamite.
O verso, um estopim.
A linha se incendeia
e quando chega ao fim
explode
e a cidade em estrofe
voa em mil.
Onde encontrar
e a que tarifa
uma rima que mire
e mate de uma vez? Dela
talvez
ainda sobrevivam
cinco exemplares
nos confins
da Venezuela.
E tenho que enfrentar
pólos e saaras,
e me lanço
entre dívidas
e vales dividido.
Cidadão,
condescenda,
as passagens são caras!
A poesia
             - toda -
                     é uma viagem ao desconhecido.
A poesia
             é como a lavra
do rádio,
              um ano para cada grama.
Para extrair
                 uma palavra,
milhões de toneladas de palavras-prima.
Porém
que flama
de uma tal palavra emana
perto
das brasas
da palavra-bruta.
Essas palavras
põem em luta
milhões de corações
por milhares de anos.
Por certo
há poetas
de diversas classes.
Quanto vates
têm dedos ágeis!
Vertem versos
da boca
como mágicos,
tanto deles
como dos clássicos.
E que dizer
dos líricos castrados?!
Furtam
linhas alheias
e se fartam -
tipo
de peculato
dos mais alastrados
neste país, entre outros peculatos.
Esses
versos e odes
que os simplórios
aplaudem hoje
com soluços e confetes
passarão
à história
como os gastos acessórios
da obra
que fizemos,
dois ou três poetas.
Come,
como se diz,
quilos de sal,
maços
e maços
de cigarros consome
para extrair
a palavra essencial
das profundezas
artesianas do homem.
E de repente
o imposto
já não é tão caro.
Tire
a roda de um zero
do total!
Um rublo e noventa
custam os cigarros,
Um e sessenta,
o quilo de sal.
No questionário
há um monte de quesitos:
"O Sr. fez viagens?
Sim ou não?"
Mas como,
se eu fiz voos infinitos
em dezenas de pégasos
nestes 15 anos?!
E agora
             - ponha-se no meu lugar -
                                                   nesta coluna
há algo
           sobre criados
                               e fortuna.
Mas como,
                se sou dirigente
e servidor
                 também
                              de toda a gente?
A classe
              fala
                       pela nossas palavras.
Nós somos
                 proletários
                                 e motores da pena.
A máquina
da alma
com os anos se trava,
e dizem:
- Ao arquivo!
Acabou-se.
Um de menos!
Menos amor,
cada vez menos ações,
e o tempo
na corrida
minhas têmporas esmaga.
E vem
a mais terrível
das amortizações,
a de almas e corações
- última paga.
E quando
este sol
cevado como um porco
se erguer
sobre um porvir
sem mutilados nem mendigos

estarei
podre e morto,
de borco,
junto
de uma dezena
de colegas.
Façam
o meu balanço
a posteriori!
Mas eu afirmo
(e sei
que meu verso não mente):
no meio
dos atuais
traficantes e finórios
eu estarei
- sozinho! -
devedor insolvente.
A nossa dívida
é uivar
com o verso,
entre a névoa burguesa,
boca brônzea de sirene.
O poeta
é o eterno
devedor do universo
e paga
em dor
porcentagens
de pena.

Eu
    estou em dívida
                         com os lampiões da Broadway,
com o Exército Vermelho,
                               com vocês,
                                              céus de Bagdádi*,
as cerejeiras do Japão
                                  e toda a infinidade
a que eu não pude dar
                                  a sobra de uma ode.
Mas para que
                     afinal
                              estas molduras são?
Para que fazer
da rima, mira
e do ritmo, chibata?
A palavra do poeta
é a tua ressurreição,
a tua imortalidade,
cidadão burocrata.
Daqui a séculos,
do papel mudo
toma um verso
e o tempo ressuscita.
E volverá
este dia,
seus fiscais de tributos,
a miragem dos mitos
e a catinga de tinta.
Convicto vivente contemporâneo,
compra
no Comissariado
uma passagem para a imortalidade
e, computados,
os efeitos do verso,
reparte,
o meu salário
por trezentos anos!
Mas a força do poeta
não se reduz só
a que te lembrem
no futuro
entre soluços.
Não!
Hoje também
a rima do poeta
é carícia
slogan
açoite
baioneta.
Cidadão fiscal de rendas,
eu encerro.
Pago os 5
e risco
todos os zeros.
Tudo
        o que quero
                           é um palmo de terra
ao lado
            dos mais pobres
                                 camponeses e obreiros.
Porém
          se vocês pensam
                                    que se trata apenas
de copiar
              palavras a esmo,
eis aqui, camaradas,
                              minha pena,
podem
             escrever
                            vocês mesmos!


1926

    * aldeia na qual nasceu o poeta.
trad. Augusto de Campos


in: Maiakóvski – Poemas . trad. Boris Schnaiderman, Augusto & Haroldo de Campos. São Paulo: Perspectiva.


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quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Sonetos de Cruz e Sousa





CRUZ E SOUSA



Acrobata da Dor

Gargalha, ri, num riso de tormenta,
Como um palhaço, que desengonçado,
Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
De uma ironia e de uma dor violenta.

Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
Agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta clown, varado
Pelo estertor dessa agonia lenta...

Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
Nessas macabras piruetas d'aço...

E embora caias sobre o chão, fremente,
Afogado em teu sangue estuoso e quente
Ri! Coração, tristíssimo palhaço.



in Broqueis / 1893

...


Vida Obscura

Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
Ó ser humilde entre os humildes seres.
Embriagado, tonto dos prazeres,
O mundo para ti foi negro e duro.

Atravessaste num silêncio escuro
A vida presa a trágicos deveres
E chegaste ao saber de altos saberes
Tornando-te mais simples e mais puro.

Ninguém te viu o sentimento inquieto,
Magoado, oculto e aterrador, secreto,
Que o coração te apunhalou no mundo.

Mas eu que sempre te segui os passos
Sei que cruz infernal prendeu-te os braços
E o teu suspiro como foi profundo!



O Assinalado

Tu és o louco da imortal loucura,
O louco da loucura mais suprema.
A Terra é sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema Desventura.

Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma Desventura extrema
Faz que tu'alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.

Tu és o Poeta, o grande Assinalado
Que povoas o mundo despovoado,
De belezas eternas, pouco a pouco...

Na Natureza prodigiosa e rica
Toda a audácia dos nervos justifica
Os teus espasmos imortais de louco!




Cavador do Infinito


Com a lâmpada do Sonho desce aflito
E sobe aos mundos mais imponderáveis,
Vai abafando as queixas implacáveis,
Da alma o profundo e soluçado grito.

Ânsias, Desejos, tudo a fogo, escrito
Sente, em redor, nos astros inefáveis.
Cava nas fundas eras insondáveis
O cavador do trágico Infinito.

E quanto mais pelo Infinito cava
mais o Infinito se transforma em lava
E o cavador se perde nas distâncias...

Alto levanta a lâmpada do Sonho.
E como seu vulto pálido e tristonho
Cava os abismos das eternas ânsias!



In Últimos Sonetos / 1905


...


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terça-feira, 27 de agosto de 2013

Os Enigmas / Los Enigmas - Pablo Neruda






PABLO NERUDA

Los Enigmas

Os Enigmas

Perguntastes-me o que fia o crustáceo entre
suas patas de ouro e eu vos respondo: O mar sabe.
Dizeis-me o que espera a ascídia no seu sino transparente?
O que espera? Eu vos digo: igual a vós, espera o tempo.
Perguntais-me o que alcança o braço da alga Macrocustis?
Indagai-o, indagai-o a certa hora, em certo mar que conheço.
Sem dúvida me perguntareis pelo marfim maldito
do narval, para que vos conteste de que modo
o unicórnio marinho agoniza arpoado.


Perguntais-me talvez pelas plumas alcionárias
que tremem nas origens puras da maré austral?
E sobre a construção cristalina do pólipo tens
baralhado, sem dúvida, outra pergunta, a desfiar agora?


Quereis conhecer a matéria elétrica das puas do fundo?
A armada estalactite que caminha a quebrar-se?
O anzol do peixe pescador, a música estendida
na profundidade, como um fio na água?


Quero dizer-vos que tudo isto sabe o mar, que a vida
nas suas arcas é ampla como a areia, inumerável e pura
e entre as uvas sanguinárias o tempo tem polido
a dureza de uma pétala, a luz da medusa
e tem debulhado o ramo das suas fibras corais
a partir de uma cornucópia de nácar infinito.


Não sou senão a rede vazia que adianta
olhos humanos, mortos naquelas trevas,
dedos acostumados ao triângulo, medidas
de um tímido hemisfério de laranja.


Andei semelhante a vós, escavando
a estrela interminável,
e na minha rede, em plena noite, acordei nu,
única presa, peixe preso no vento.



Trad. livre: Leonardo de Magalhaens






Los Enigmas

Me habéis preguntado qué hila el crustáceo entre
sus patas de oro y os respondo: El mar lo sabe.
¿Me decís qué espera la ascidia en su campanatransparente?
¿Qué espera?Yo os digo, espera como vosotros el tiempo.
Me preguntáis a quién alcanza el abrazo del alga Macrocustis?
Indagadlo, indagadlo a ciertahora, en cierto mar que conozco.
Sin duda me preguntareis por el marfil maldito
del narwhal, para que yo os conteste de qué modo
el unicornio marino agoniza arponeado.

¿Me preguntáis tal vez por las plumas alcionarias
que tiemblan en los puros orígenes de la marea austral?
¿Y sobre la construcción cristalina del polipo habéis
barajado, sin duda, una pregunta más, desgranándola ahora?

¿Queréis saber la eléctrica materia de las púas del fondo?
¿La armada estalactita que camina quebrándose?
¿El anzuelo del pez pescador, la música extendida
en la profundidad como un hilo en el agua?

Yo os quiero decir que esto lo sabe el mar, que la vida
en sus arcas es ancha como la arena, innumerable y pura
y entre las uvas sanguinarias el tiempo ha pulido
la dureza de un pétalo, la luz de la medusa
y ha desgranado el ramo de sus hebras corales
desde una cornucopia de nácar infinito.

Yo no soy sino la red vacía que adelanta
ojos humanos, muertos en aquellas tinieblas,
dedos acostumbrados al triangulo, medidas
de un tímido hemisferio de naranja.

Anduve como vosotros escarbando
la estrella interminable,
y en mi red, en la noche, me desperté desnudo,
única presa, pez encerrado en el viento.



Poema de Pablo Neruda em "Canto General", 1950.


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no filme Mindwalk


segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Poética / Vou-me embora para Pasárgada - Manuel Bandeira





MANUEL BANDEIRA



Poética


Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expe-
[diente protocolo e manifestações de apreço
[ao Sr. diretor
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário
[o cunho vernáculo de um vocábulo
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os enumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
Do lirismo que capitula ao que quer que seja for a de si
[mesmo.
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
[exemplar com cem modelos de cartas
[e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.



Vou-me embora para Pasárgada


Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro bravo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.





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sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Ode a Walt Whitman - García Lorca







FEDERICO GARCÍA LORCA


ODA A WALT WHITMAN [1933]

Ode a Walt Whitman


[em: O Poeta em Nova York, 1940]

Através do East River e do Bronx
os rapazes cantavam mostrando suas cinturas,
com a roda, o azeite, o couro, e o martelo
Noventa mil mineiros extraíam prata das rochas
e os garotos desenhavam escadas e perspectivas.

Mas ninguém dormia,
ninguém queria ser o rio,
ninguém amava as folhas grandes,
ninguém a língua azul da praia.

Através do East River e do Queensborough
os rapazes lutavam com a indústria,
e os judeus vendiam ao fauno do rio
a rosa da circuncisão
e o céu desembocava pelas pontes e telhados
manadas de bisontes empurradas pelo vento.

Mas ninguém se detinha,
ninguém queria ser nuvem,
ninguém buscava os fetos
nem a roda amarela do tamboril.

Quando a lua saía,
as roldanas rodaram para derrubar o céu;
um limite de agulhas cercara a memória
e os ataúdes levarão os que não trabalham.

Nova York de lama,
Nova York de espanto e de morte.
Que anjo levas oculto na face?
Que voz perfeita dirá as verdades do trigo?
Quem o sonho terrível de tuas anedotas manchadas?

Nem um só momento, velho e formoso Walt Whitman,
deixei de ver tua barba cheia de mariposas,
nem teus ombros de veludo gastados pela lua,
nem tuas coxas de Apolo Virginal,
nem tua voz como uma coluna de cinzas;
ancião formoso como a névoa
que gemia igual a um pássaro
com o sexo atravessado por uma agulha,
inimigo do sátiro, inimigo da vide
e amante dos corpos sob o tecido rude

Nem um só momento, formosura viril
que em montes de carvão, anúncios e ferrovias
sonhavas ser um rio e dormir como um rio
com aquele camarada que poria em teu peito
uma pequena dor de ignorante leopardo.

Nem um só momento, Adão de sangue, macho,
homem solitário no mar, velho formoso Walt Whitman
porque pelas açoteias, agrupados nos bares,
saindo em cachos dos esgotos,
tremendo entre as pernas dos chaffeurs
ou girando nas plataformas de absinto,
os maricas, Walt Whitman, te sonhavam.

Também esse ! Também! E despencam
sobre tua barba luminosa e casta,
louros do norte, negros da areia,
multidões de gritos e gestos,
semelhantes a gatos e serpentes,
os maricas, Walt Whitman, os maricas
turvos de lágrimas, carne para o açoite,
mostra a mordedura dos domadores.

Também esse! Também ! Dedos tingidos
apontam a borda de teu sonho
quando o amigo igual a tua maçã
com um leve sabor de gasolina
e o sol canta pelos umbigos
dos rapazes que jogam debaixo das pontes.

Mas tu não buscavas os olhos arranhados,
nem o pântano escuríssimo de onde submergem os garotos,
nem a saliva gelada,
nem as curvas feridas como pança de sapo
que levam os maricas em carros e terraços
enquanto a lua os açoita pelas esquinas do terror.

Tu buscavas um desnudo que fosse como um rio,
touro e sonho que junte a roda com a alga,
pai de tua agonia, camélia de tua morte,
e gemesse nas chamas de teu equador oculto.

Porque é justo que o homem não busque seu deleite
na selva de sangue da manhã seguinte.
O céu tem praias onde evitar a vida
e existem corpos que não devem se repetir na aurora.

Agonia, agonia, sonho, fermento e sonho.
Este é o mundo, amigo, agonia, agonia.
Os mortos se decompõem sob o relógio das cidades,
a guerra passa chorando com um milhão de ratazanas cinzentas,
os ricos dão às suas queridas
pequenos moribundos iluminados.
E a vida não é nobre, nem boa, nem sagrada.

Pode o homem, se quiser, conduzir seu desejo
por veia de coral ou celeste nudez.
Amanhã os amores serão rochas e o Tepo
uma brisa que vem adormecida pelos ramos.

Por isso não levanto minha voz, velho Walt Whitman
contra o garoto que escreve
o nome da garota em sua almofada,
nem contra o rapaz que se veste de noiva
na escuridão da rouparia,
nem contra os solitários dos cassinos
que bebem com asco a água da prostituição,
nem contra os homens de olhada verde
que amam o homem e queimas seus lábios em silêncio.

Mas sim contra vós, maricas das cidades,
de carne tumefacta e pensamento imundo,
mães de lodo, harpias, inimigos sem sonho
do Amor que reparte coroas de alegria.

Contra vós sempre, que dais aos rapazes
gotas de morte suja com amargo veneno.
Contra vós sempre,
Fadas da América do Norte,
Pássaros de Havana,
Podres do México,
Sarasas de Cádiz,
Touros de Sevilha,
Cancos de Madrid,
Flores de Alicante,
Adelaides de Portugal.

Maricas de todo o mundo, assassinos de pombas!
Escravos da mulher, putas de suas camas,
abertos nas praças com febre de abano
ou emboscadas rígidas paisagens de cicuta.

Não há abrigo! A morte
emana de vossos olhos
e agrupa flores cinzas nas beiras dos cílios.
Não há abrigo! Alerta!
Que os confundidos, os puros,
os clássicos, os assinalados, os suplicantes,
fecham para vós as portas do bacanal.

E tu, belo Walt Whitman, dorme às margens do Hudson,
com a barba até o pelo e as mãos abertas.
Argila branca ou neve, tua língua está chamando
camaradas que velem tua gazela sem corpo.
Dorme, não sobra nada.
Uma dança de muros agita as pradarias
e a América se afoga de máquinas e pranto.
Quero que o ar forte da noite mais funda
acalme flores e letras do arco onde dormes
e um garoto negro anuncie aos brancos do ouro
a chegada do reino da espiga.



Trad. livre : LdeM



ODA A WALT WHITMAN

Por el East River y el Bronx
los muchachos cantaban enseñando sus cinturas,
con la rueda, el aceite, el cuero y el martillo.
Noventa mil mineros sacaban la plata de las rocas
y los niños dibujaban escaleras y perspectivas.

Pero ninguno se dormía,
ninguno quería ser el río,
ninguno amaba las hojas grandes,
ninguno la lengua azul de la playa.

Por el East River y el Queensborough
los muchachos luchaban con la industria,
y los judíos vendían al fauno del río
la rosa de la circuncisión
y el cielo desembocaba por los puentes y los tejados
manadas de bisontes empujadas por el viento.

Pero ninguno se detenía,
ninguno quería ser nube,
ninguno buscaba los helechos
ni la rueda amarilla del tamboril.

Cuando la luna salga
las poleas rodarán para tumbar el cielo;
un límite de agujas cercará la memoria
y los ataúdes se llevarán a los que no trabajan.

Nueva York de cieno,
Nueva York de alambres y de muerte.
¿Qué ángel llevas oculto en la mejilla?
¿Qué voz perfecta dirá las verdades del trigo?
¿Quién el sueño terrible de sus anémonas manchadas?

Ni un solo momento, viejo hermoso Walt Whitman,
he dejado de ver tu barba llena de mariposas,
ni tus hombros de pana gastados por la luna,
ni tus muslos de Apolo virginal,
ni tu voz como una columna de ceniza;
anciano hermoso como la niebla
que gemías igual que un pájaro
con el sexo atravesado por una aguja,
enemigo del sátiro,
enemigo de la vid
y amante de los cuerpos bajo la burda tela.

Ni un solo momento, hermosura viril
que en montes de carbón, anuncios y ferrocarriles,
soñabas ser un río y dormir como un río
con aquel camarada que pondría en tu pecho
un pequeño dolor de ignorante leopardo.

Ni un sólo momento, Adán de sangre, macho,
hombre solo en el mar, viejo hermoso Walt Whitman,
porque por las azoteas,
agrupados en los bares,
saliendo en racimos de las alcantarillas,
temblando entre las piernas de los chauffeurs
o girando en las plataformas del ajenjo,
los maricas, Walt Whitman, te soñaban.

¡También ese! ¡También! Y se despeñan
sobre tu barba luminosa y casta,
rubios del norte, negros de la arena,
muchedumbres de gritos y ademanes,
como gatos y como las serpientes,
los maricas, Walt Whitman, los maricas
turbios de lágrimas, carne para fusta,
bota o mordisco de los domadores.

¡También ése! ¡También! Dedos teñidos
apuntan a la orilla de tu sueño
cuando el amigo come tu manzana
con un leve sabor de gasolina
y el sol canta por los ombligos
de los muchachos que juegan bajo los puentes.

Pero tú no buscabas los ojos arañados,
ni el pantano oscurísimo donde sumergen a los niños,
ni la saliva helada,
ni las curvas heridas como panza de sapo
que llevan los maricas en coches y terrazas
mientras la luna los azota por las esquinas del terror.

Tú buscabas un desnudo que fuera como un río,
toro y sueño que junte la rueda con el alga,
padre de tu agonía, camelia de tu muerte,
y gimiera en las llamas de tu ecuador oculto.

Porque es justo que el hombre no busque su deleite
en la selva de sangre de la mañana próxima.
El cielo tiene playas donde evitar la vida
y hay cuerpos que no deben repetirse en la aurora.

Agonía, agonía, sueño, fermento y sueño.
Éste es el mundo, amigo, agonía, agonía.
Los muertos se descomponen bajo el reloj de las ciudades,
la guerra pasa llorando con un millón de ratas grises,
los ricos dan a sus queridas
pequeños moribundos iluminados,
y la vida no es noble, ni buena, ni sagrada.

Puede el hombre, si quiere, conducir su deseo
por vena de coral o celeste desnudo.
Mañana los amores serán rocas y el Tiempo
una brisa que viene dormida por las ramas.

Por eso no levanto mi voz, viejo Walt Whítman,
contra el niño que escribe
nombre de niña en su almohada,
ni contra el muchacho que se viste de novia
en la oscuridad del ropero,
ni contra los solitarios de los casinos
que beben con asco el agua de la prostitución,
ni contra los hombres de mirada verde
que aman al hombre y queman sus labios en silencio.

Pero sí contra vosotros, maricas de las ciudades,
de carne tumefacta y pensamiento inmundo,
madres de lodo, arpías, enemigos sin sueño
del Amor que reparte coronas de alegría.

Contra vosotros siempre, que dais a los muchachos
gotas de sucia muerte con amargo veneno.
Contra vosotros siempre,
Faeries de Norteamérica,
Pájaros de la Habana,
Jotos de Méjico,
Sarasas de Cádiz,
Ápios de Sevilla,
Cancos de Madrid,
Floras de Alicante,
Adelaidas de Portugal.

¡Maricas de todo el mundo, asesinos de palomas!
Esclavos de la mujer, perras de sus tocadores,
abiertos en las plazas con fiebre de abanico
o emboscadas en yertos paisajes de cicuta.

¡No haya cuartel! La muerte
mana de vuestros ojos
y agrupa flores grises en la orilla del cieno.
¡No haya cuartel! ¡Alerta!
Que los confundidos, los puros,
los clásicos, los señalados, los suplicantes
os cierren las puertas de la bacanal.

Y tú, bello Walt Whitman, duerme a orillas del Hudson
con la barba hacia el polo y las manos abiertas.
Arcilla blanda o nieve, tu lengua está llamando
camaradas que velen tu gacela sin cuerpo.
Duerme, no queda nada.
Una danza de muros agita las praderas
y América se anega de máquinas y llanto.
Quiero que el aire fuerte de la noche más honda
quite flores y letras del arco donde duermes
y un niño negro anuncie a los blancos del oro
la llegada del reino de la espiga.


Uma translation para o english


Poeta em Nova York
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