quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O Homem e sua fachada + Homem em preparativos - de Anibal M. Machado


 





ANÍBAL M. MACHADO


O HOMEM E SUA FACHADA


Toda a vida venho reclamando a prorrogação do prazo para terminar
a minha fachada. Não querem atender-me. Nem sei mais o que alegar.

Terminar da noite para o dia, não posso. Mas também é aborrecido
ficar sempre atrás de andaimes e caminhar para a morte antes de
concluir-se a construção.

Ninguém se espantará se eu confessar que talvez não termine nunca
a minha fachada. Tenho adotado diferentes modelos. Mas logo me
aborreço e passo para outro.

O que me atrapalha bastante são as discussões a meu respeito.
Perde-se muito tempo nisso. Às vezes quero intervir, mas não vale
a pena, pois quando discutem minha fachada, já utilizo outra muito
diferente, oposta mesmo às anteriores. Tudo resultado de eu não ter
ainda fachada própria.

Afinal, eu me pergunto: quando terminarei a minha? Ou melhor,
quando cairá a que recomecei? Pois as minhas fachadas caem todas...
Talvez porque costumo aproveitar em cada uma o material das outras;
talvez porque não se possam manter no espaço em que as levanto.

Até que tudo se resolva, vou tendo a fachada que me atribuem.

São assim várias e numerosas as minhas fachadas.

Muitas vezes se voltam contra mim, tapam-me, não me deixam
quase respirar. Outras vezes – isso é frequente – se despregam
de mim e vão erguer-se longe, enquanto eu fico atrás me rindo.

Aí então, aproveito os momentos disponíveis para distrair-me.
Sinto-me livre e cresço mais. E deixo os outros falarem mal
da fachada anterior.

Tenho uma fachada na universidades, outra nas rodas mundanas,
outra no quarto de meu bem.

Trabalho agora num tipo ideal de fachada. Permeável, sonora e
elástica. Mutável, segundo o olhar de quem a contempla e a
luz da paisagem para a qual se abre. Especialmente projetada
para servir de aparência a algum edifício invisível. Insusceptível
de ser reproduzida.

Mas não me peçam que a termine tão cedo. O material é fluido.
Vou trabalhando nela como posso, dia e noite. Com certa demora,
pois há sempre pequenos incidentes. Por exemplo: meto um prego,
ele perfura o Azul.

Tento fixar um tijolo, ele cai no Vazio.

Mas não desanimo. Minha paciência é grande. Vão ver depois
que esplêndida fachada vai ser a minha.




In: Cadernos de João / 1957


...


ANÍBAL M. MACHADO


HOMEM EM PREPARATIVOS


Ando sempre em preparativos.

Acumulo material, encomendo peças. Junto o necessário. Tomo
todas as providências. E trato também da ornamentação.

Com isso, vou-me distraindo. Troco coisas e ideias. Alguns me
ajudam, servem-se também de mim. E todos assim nos distraímos
nesses preparativos.

Mas com que seriedade! Com que paixão!

Nos momentos de intervalo, construímos cidades, casamos,
discutimos, entramos na guerra.

Preparamo-nos todos para qualquer coisa que ainda não aconteceu.
Há dezenas de anos tem sido assim. Há milhares de anos...

adoro os detalhes que aliviam o peso do conjunto. O que me atrapalha,
porém, não é tanto o tempo perdido na escolha do material – isso
até me preenche as horas – o que me atrapalha é a rapidez com
que as coisas se deterioram.

Às vezes recebo intimações para acabar depressa. Mas desconfio
e faço cera. Acabar depressa, o quê?

Saio então a ver se encontro qualquer coisa que seja bem difícil
de achar – acontecimento ou mulher.

Meu medo é a interrupção dessa busca por colapso de entusiasmo
ou pela aparição fácil do objeto.

Procuro sempre... Procuro sem remitência. Invento novas dificuldades.

Adoro os obstáculos...

Vivo assim amontoando, renovando, corrigindo, experimentando,
caindo e me aprumando.

Assim não chegará jamais o dia da minha inauguração. Pois o meu
pavor é a viagem concluída, a coisa acabada...

o meu pavor é a estátua de pedra, o feixe de ossos gelando
na chuva ou debaixo da terra.

... enquanto vocês aí fora continuam procurando, procurando...

Não. Nunca serei inaugurado.




In: Cadernos de João / 1957





Aníbal M Machado
(1898-1964)



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quarta-feira, 25 de setembro de 2013

3 poemas de PARANOIA de Roberto Piva




Roberto Piva


Paranoia


Visão 1961

as mentes ficaram sonhando penduradas nos esqueletos de fósforo
       invocando as coxas do primeiro amor brilhando como uma
       flor de saliva
 o frio dos lábios verdes deixou uma marca azul-clara debaixo do pálido
       maxilar ainda desesperadamente fechado sobre o seu mágico vazio
 marchas nômades através da vida noturna fazendo desaparecer o perfume
       das velas e dos violinos que brota dos túmulos sob as nuvens de
       chuva
fagulha de lua partida precipitava nos becos frenéticos onde
       cafetinas magras ajoelhadas no tapete tocando o trombone de vidro
       da Loucura repartiam lascas de hóstias invisíveis
 a náusea circulava nas galerias entre borboletas adiposas e
        lábios de menina febril colados na vitrina onde almas coloridas
        tinham 10% de desconto enquanto costureiros arrancavam os ovários
       dos manequins 

minhas alucinações pendiam fora da alma protegida por caixas de matéria
     plástica eriçando o pêlo através das ruas iluminadas e nos arrabaldes
     de lábios apodrecidos
na solidão de um comboio de maconha Mário de Andrade surge como um
     Lótus colando sua boca no meu ouvido fitando as estrelas e o céu
     que renascem nas caminhadas
noite profunda  de cinemas iluminados e lâmpada azul da alma desarticulando
     aos trambolhões pelas esquinas onde conheci os estranhos
     visionários da Beleza 

já é quinta-feira na avenida Rio Branco onde um enxame de Harpias
      vacilava com cabelos presos  nos luminosos e minha imaginação
      gritava no perpétuo impulso dos corpos encerrados pela
      Noite
 os banqueiros mandam aos comissários lindas caixas azuis de excrementos
      secos enquanto um milhão de anjos em cólera gritam nas assembleias
      de cinza OH cidade de lábios tristes e trêmulos onde encontrar
      asilo na tua face?
no espaço de uma Tarde os moluscos engoliram suas mãos
      em sua vida de Camomila nas vielas onde meninos dão o cu
      e jogam  malha e os papagaios  morrem de Tédio nas cozinhas
      engorduradas
E a Bolsa de Valores e os Fotógrafos pintaram seus lábios com urtigas
      sob o chapéu de prata do ditador Tacanho e o ferro e a borracha
      verteram monstros inconcebíveis
ao sudoeste do teu sonho uma dúzia de anjos de pijama urinam com
      transporte e em silêncio nos telefones nas portas  nos capachos
      das Catedrais sem Deus
 arte culinária ensinada nos apopléticos vagões da Seriedade por
       quinze mil perdidas almas sem rosto destrinçando barrigas
       adolescentes numa Apoteose de intestinos
porres acabando lentamente nas alamedas de mendigos perdidos esperando
       a sangria diurna de olhos findos e neblina enrolada na voz
       exaurida na distância
cus de granito destruídos com estardalhaço nos subúrbios demoníacos pelo
      cometa sem fé meditando beatamente nos púlpitos  agonizantes
minhas tristezas quilometradas ir pela sensível persiana semi-aberta da
      Pureza Estagnada e gargarejo de amêndoas emocionante nas palavras
       cruzadas no olhar
as névoas enganadoras das maravilhas consumida ir sobre o arco-íris
      de Orfeu amortalhado despejavam um milhão de crianças atrás das
      portas sofrendo
nos espelhos meninas desarticuladas pelos mitos recém-nascidos vagabundeavam
     acompanhadas pelas pombas a serem fuziladas pelo veneno
     da noite no coração seco do amor solar
meu pequeno Dostoiévski no último corrimão do ciclone de almofadas
     furadas derrama sua cabeça e sua barba como um enxoval noturno
     estende até O Mar
no exílio onde padeço angústia os muros invadem minha memória
     atirada no Abismo e meus olhos meus manuscritos meus amores
     pulam no Caos 


...


Visão de São Paulo à noite
Poema Antropófago sob Narcótico


Na esquina da rua São Luís uma procissão de mil pessoas
acende velas no meu crânio
há místicos falando bobagens ao coração das viúvas
e um silêncio de estrela partindo em vagão de luxo
fogo azul de gim e tapete colorindo a noite, amantes
chupando-se como raízes
Maldoror em taças de maré alta
na rua São Luís o meu coração mastiga um trecho da minha vida
a cidade com chaminés crescendo, anjos engraxates com sua gíria
feroz na plena alegria das praças, meninas esfarrapadas
definitivamente fantásticas
há uma floresta de cobras verdes nos olhos do meu amigo
a lua não se apóia em nada
eu não me apóio em nada
sou ponte de granito sobre rodas de garagens subalternas
teorias simples fervem minha mente enlouquecida
há bancos verdes aplicados no corpo das praças
há um sino que não toca
há anjos de Rilke dando o cu nos mictórios
reino-vertigem glorificado
espectros vibrando espasmos
beijos ecoando numa abóbada de reflexos
torneiras tossindo, locomotivas uivando, adolescentes roucos
enlouquecidos na primeira infância
os malandros jogam ioiô na porta do Abismo
eu vejo Brama sentado em flor de lótus
Cristo roubando a caixa dos milagres
Chet Baker ganindo na vitrola
eu sinto o choque de todos os fios saindo pelas portas
partidas do meu cérebro
eu vejo putos putas patacos torres chumbo chapas chopes
vitrinas homens mulheres pederastas e crianças cruzam-se e
abrem-se em mim como lua gás rua árvores lua medrosos repuxos
colisão na ponte cego dormindo na vitrina do horror
disparo-me como uma tômbola
a cabeça afundando-me na garganta
chove sobre mim a minha vida inteira, sufoco ardo flutuo-me
nas tripas, meu amor, eu carrego teu grito como um tesouro afundado
quisera derramar sobre ti todo meu epiciclo de centopéias libertas
ânsia fúria de janelas olhos bocas abertas, torvelins de vergonha,
correias de maconha em piqueniques flutuantes
vespas passeando em voltas das minhas ânsias
meninos abandonados nus nas esquinas
angélicos vagabundos gritando entre as lojas e os templos
entre a solidão e o sangue, entre as colisões, o parto
e o Estrondo





A PIEDADE


Eu urrava nos poliedros da Justiça meu momento
abatido na extrema paliçada
os professores falavam da vontade de dominar e da
luta pela vida
as senhoras católicas são piedosas
os comunistas são piedosos
os comerciantes são piedosos
só eu não sou piedoso
se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria
aos sábados à noite
eu seria um bom filho meus colegas me chamariam
cu-de-ferro e me fariam perguntas: por que navio
bóia? por que prego afunda?
eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as
estátuas de fortes dentaduras
iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos
pederastas ou barbudos
eu me universalizaria no senso comum e eles diriam
que tenho todas as virtudes
eu não sou piedoso
eu nunca poderei ser piedoso
meus olhos retinem e tingem-se de verde
Os arranha-céus de carniça se decompõem nos
pavimentos
os adolescentes nas escolas bufam como cadelas
asfixiadas
arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através
dos meus sonhos.



Roberto Piva


para ouvir



in: Paranoia / 1963


online em





Roberto Piva nasceu em São Paulo no dia 25 de setembro de 1937. [Faleceu em São Paulo em 3 de julho de 2010] Poeta ligado aos marginais dos anos 60, esteve na Antologia dos Novíssimos de Massao Ohno em 1961 e em 26 Poetas Hoje de Heloisa Buarque de Holanda. Foi professor na rede de ensino público, produtor de shows de rock e é um dos três únicos poetas brasileiros a ser citado no Dicionário Geral do Surrealismo publicado na França.


segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Sutra do Girassol - Sunflower Sutra - Allen Ginsberg









ALLEN GINSBERG


Sunflower Sutra
                Sutra do Girassol

Caminhei nas margens do cais de banana enlatada e
sentei à sombra imensa de uma locomotiva
da Southern Pacific a olhar o poente sobre
os morros de casas-caixas e chorar.
Jack Kerouac sentou-se junto a mim sobre um mastro
de ferro partido, companheiro, pensávamos os mesmos
pensamentos da alma, deprimidos, com olhos tristes,
rodeados pelas raízes de aço dos maquinários.
A água oleosa do rio espelhava o céu rubro, o sol
caía nas alturas finais de San Francisco, sem qualquer
peixe nessas águas, sem qualquer ermitão nos montes,
só nós mesmos, com olhos pregados de ressaca, como
uns vagabundos às margens do rio, cansados e atentos.
Olha aí um girassol, ele disse, havia uma sombra
cinzenta e morta, contra o céu, grande tal um homem,
sentado árido num antigo monte de pó de serragem.
- Fiquei extasiado -- era o meu primeiro girassol,
as lembranças de Blake - minhas visões - o Harlem
e Infernos dos rios do leste, pontos ressoando sanduíches
do Joe Grisalho, carrinhos de bebês mortos, escuros pneus
carecas esquecidos e não-recauchutados, o
poema das margens, camisinhas e penicos,
canivetes, todos em ferrugem, apenas o lixo úmido
e os aparelhos de lâminas de fios afiados a
virarem coisa do passado -
e o cinzento girassol suspenso ao sol poente,
quebrado, desolado empoeirado com fuligem e fumaça
e névoa de velhas locomotivas em seu olho -
corola de espigas turvas dobradas e quebradas
como coroa golpeada, sementes caídas de sua face,
uma boca em breve sem dentes, ao ar ensolarado,
raios de sol apagados em seus cabelos ressecados
como teia de aranhas feita de arame,
folhas salientes iguais braços saídos do caule, gestos
das raízes de pó de serragem, pedaços quebrados
de gesso, caídos dos ramos escuros, uma mosca
morta nos ouvidos,
Velha coisa profana e abatida, era você meu girassol, ó
minha alma! Eu te amei então!
O sujo não era sujeira de homem, mas da morte e das
locomotivas humanas,
todos aqueles trajes de poeira, aquele véu da escurecida
pele de ferrovia, aquela névoa do rosto, aquelas pálpebras
de miséria sombria, aquela fuliginosa mão ou falo ou
protuberância do artificial – do mais-do-que-sujo industrial ---
moderno – daquilo tudo a civilização manchando tua
louca coroa dourada --
e esses turvos pensamentos de morte e olhos empoeirados e
sem amor e pontas e raízes murchas abaixo, no lar-
pilha de areia e pó de serragem, notas de dólar
feitas de borracha, pele dos maquinários, os amos
e imos dos carentes carros adoecidos, as latas vazias e
solitárias com línguas enferrujadas que triste!, o que mais
eu poderia nomear, as cinzas enfumaçadas de um
charuto-fálico, a boceta de um carrinho-de-mão, ou
os peitos leitosos dos carros, o cu estourado das
cadeiras, o esfíncter dos dínamos – tudo isso
misturado nas raízes mumificadas – e você lá
diante de mim erguida ao sol poente, em
toda a glória de sua formosura!
A perfeita beleza de um girassol! A perfeita
excelente amável existência de girassol!
um doce olho natural na nova lua louca,
desperto vivo excitado segurando no poente
a sombra da aurora dourada brisa mensal!
Quantas moscas zuniam inocentes de tua sujeira,
enquanto você profanava o céu da ferrovia e
tua própria alma de flor?
Pobre flor morta? quando você esqueceu
que é uma flor? quando você olhou para a tua pele
e decidiu que era uma velha locomotiva impotente e suja?
o fantasma de uma locomotiva? o espectro e sombra
de uma já poderosa e louca locomotiva americana?
Você nunca foi uma locomotiva, Girassol! você era um
girassol!
E você, locomotiva, você é a locomotiva, então não vá
esquecer!
Então agarrei o grosso esqueleto de girassol e o
finquei ao meu lado como um cetro,
e fiz o meu sermão à minha alma, e à de Jack também,
e à de todos que ouvirem,
-Não somos a pele de sujeira, não somos nossa locomotiva
medonha desolada e empoeirada sem imaginação, nós
somos por dentro todos belos girassóis dourados,
abençoados por nossas próprias sementes & corpos
em perfeição nus de cabeleiras douradas crescendo
como formas e sombras de girassóis ao sol poente,
observados por nossos olhos à sombra da louca
locomotiva à margem do rio pleno crepúsculo
San Francisco montes de latas ao entardecer
sentado em visão.


Trad. livre : Leonardo de Magalhaens


Sunflower Sutra

I walked on the banks of the tincan banana dock and
sat down under the huge shade of a Southern
Pacific locomotive to look at the sunset over the
box house hills and cry.
Jack Kerouac sat beside me on a busted rusty iron
pole, companion, we thought the same thoughts
of the soul, bleak and blue and sad-eyed,
surrounded by the gnarled steel roots of trees of
machinery.
The oily water on the river mirrored the red sky, sun
sank on top of final Frisco peaks, no fish in that
stream, no hermit in those mounts, just ourselves
rheumy-eyed and hungover like old bums
on the riverbank, tired and wily.
Look at the Sunflower, he said, there was a dead gray
shadow against the sky, big as a man, sitting
dry on top of a pile of ancient sawdust--
--I rushed up enchanted--it was my first sunflower,
memories of Blake--my visions--Harlem
and Hells of the Eastern rivers, bridges clanking Joes
Greasy Sandwiches, dead baby carriages, black
treadless tires forgotten and unretreaded, the
poem of the riverbank, condoms & pots, steel
knives, nothing stainless, only the dank muck
and the razor-sharp artifacts passing into the
past--
and the gray Sunflower poised against the sunset,
crackly bleak and dusty with the smut and smog
and smoke of olden locomotives in its eye--
corolla of bleary spikes pushed down and broken like
a battered crown, seeds fallen out of its face,
soon-to-be-toothless mouth of sunny air, sunrays
obliterated on its hairy head like a dried
wire spiderweb,
leaves stuck out like arms out of the stem, gestures
from the sawdust root, broke pieces of plaster
fallen out of the black twigs, a dead fly in its ear,
Unholy battered old thing you were, my sunflower O
my soul, I loved you then!
The grime was no man's grime but death and human
locomotives,
all that dress of dust, that veil of darkened railroad
skin, that smog of cheek, that eyelid of black
mis'ry, that sooty hand or phallus or protuberance
of artificial worse-than-dirt--industrial--
modern--all that civilization spotting your
crazy golden crown--
and those blear thoughts of death and dusty loveless
eyes and ends and withered roots below, in the
home-pile of sand and sawdust, rubber dollar
bills, skin of machinery, the guts and innards
of the weeping coughing car, the empty lonely
tincans with their rusty tongues alack, what
more could I name, the smoked ashes of some
cock cigar, the cunts of wheelbarrows and the
milky breasts of cars, wornout asses out of chairs
& sphincters of dynamos--all these
entangled in your mummied roots--and you there
standing before me in the sunset, all your glory
in your form!
A perfect beauty of a sunflower! a perfect excellent
lovely sunflower existence! a sweet natural eye
to the new hip moon, woke up alive and excited
grasping in the sunset shadow sunrise golden
monthly breeze!
How many flies buzzed round you innocent of your
grime, while you cursed the heavens of the
railroad and your flower soul?
Poor dead flower? when did you forget you were a
flower? when did you look at your skin and
decide you were an impotent dirty old locomotive?
the ghost of a locomotive? the specter and
shade of a once powerful mad American locomotive?
You were never no locomotive, Sunflower, you were a
sunflower!
And you Locomotive, you are a locomotive, forget me
not!
So I grabbed up the skeleton thick sunflower and stuck
it at my side like a scepter,
and deliver my sermon to my soul, and Jack's soul
too, and anyone who'll listen,
--We're not our skin of grime, we're not our dread
bleak dusty imageless locomotive, we're all
beautiful golden sunflowers inside, we're blessed
by our own seed & golden hairy naked
accomplishment-bodies growing into mad black
formal sunflowers in the sunset, spied on by our
eyes under the shadow of the mad locomotive
riverbank sunset Frisco hilly tincan evening
sitdown vision.
          Allen Ginsberg
          Berkeley, 1955


& outras traduções:

by Claudio Willer


by Leonardo Froés


by Tomaz Amorin Izabel



& more Ginsberg's poems:









...

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Código Nacional de Trânsito - Affonso Ávila








AFFONSO ÁVILA


Código Nacional de Trânsito

1972

[trechos]



conserve-se     à direita

converse          às direitas

como os cegos à direita

com o verso      às direitas

como servo      à direita

com os seus    às direitas

como os sérios à direita

com o sexo      às direitas

confesse-se     à direita

com os céus    às direitas






não ultrapasse

quando a faixa for contínua

não ultraje a pátria

quando a farsa for contínua

não vire a página

quando a farsa for contínua

não pule a pauta

quando a farsa for contínua

não mude a prática

quando a farsa for contínua





longo trecho    em declive

longo terreno   em declive

longo terreiro   em declive

longo traçado  em declive

longo trilho      em declive

longo tropeço  em declive

longo tropel     em declive

longo tempo    em declive

longo tema      em declive

longo texto      em declive


...


mais sobre obra & autor








quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Recado ao senhor 903 - Rubem Braga








RUBEM BRAGA


Recado ao senhor 903


-Vizinho -

Quem fala aqui é o homem dos 1003. Recebi outro dia, consternado, a visita do zelador, que me mostrou a carta em que o senhor reclamava contra o barulho em meu apartamento. Recebi depois a sua própria ­visita pessoalmente - Devia ser meia noite - e sua veemente reclamação verbal. Devo dizer que estou desolado com tudo isso, e lhe dou toda razão. O regulamento do prédio é explícito e, se não fosse, o senhor ainda teria ao seu lado a lei e a polícia. Quem trabalha o dia inteiro tem direito ao repouso noturno, e é impossível dormir no 903 quando há vozes, passos e música no 1003. Ou melhor, é impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita: pois como não sei o seu nome, e o senhor não sabe o meu, ficamos reduzidos a ser dois números, dois números, empilhados entre dezenas de outros.

Eu, 1003, me limito a leste pelo 1005, a oeste pelo 100], ao sul pelo Oceano Atlântico, ao norte pelo 1004, ao alto pelo 1013 e embaixo pelo 903 - que é o senhor, todos esses números são comportados e silenciosos, apenas eu e o Oceano Atlântico fazemos algum ruído e funcionamos fora dos horários civis: nós dois apenas nos agitamos e bramimos ao sabor da maré, dos ventos e da lua. Prometo sinceramente adotar, depois das 22 horas, de hoje em diante, um comportamento de manso lago azul. Prometo. Quem vir à minha casa (perdão, ao meu número) será convidado a se retirar às 21:45, e explicarei: o 903 precisa repousar das 22 às 7 pois às 8: 15 deve deixar o 783 para tomar o 109 que o levará até o 527 da outra rua, onde ele trabalha na sala 305. Nossa vida, vizinho está toda numerada; e reconheço que ela só pode ser tolerável quando um número não incomoda o outro número, mas o respeita ficando dentro dos limites de seus algarismos. Peço-lhe desculpas - e lhe prometo silêncio.

Mas que me seja permitido sonhar com outras vidas e outros mundos, em que um homem batesse à porta de outro e dissesse: “Vizinho, são três horas da manhã. e ouvi música em tua casa. Aqui estou’” E o outro respondesse “Entra vizinho, e come de meu pão e bebes de meu vinho. Aqui estamos todos a bailar e cantar, pois descobrimos que a vida é curta e a lua é bela”.

E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre amigos e amigas do vizinho entoando canções para agradecer a Deus o brilho das estrelas e o murmúrio da brisa nas árvores, e o dom da vida, e a amizade entre os humanos, e o amor e a paz.







Mais de Rubem Braga
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