Roberto
Piva
Paranoia
Visão
1961
as
mentes ficaram sonhando penduradas nos esqueletos de fósforo
invocando as coxas do primeiro amor brilhando como uma
flor de saliva
o frio dos lábios verdes deixou uma marca azul-clara debaixo do pálido
maxilar ainda desesperadamente fechado sobre o seu mágico vazio
marchas nômades através da vida noturna fazendo desaparecer o perfume
das velas e dos violinos que brota dos túmulos sob as nuvens de
chuva
fagulha de lua partida precipitava nos becos frenéticos onde
cafetinas magras ajoelhadas no tapete tocando o trombone de vidro
da Loucura repartiam lascas de hóstias invisíveis
a náusea circulava nas galerias entre borboletas adiposas e
lábios de menina febril colados na vitrina onde almas coloridas
tinham 10% de desconto enquanto costureiros arrancavam os ovários
dos manequins
invocando as coxas do primeiro amor brilhando como uma
flor de saliva
o frio dos lábios verdes deixou uma marca azul-clara debaixo do pálido
maxilar ainda desesperadamente fechado sobre o seu mágico vazio
marchas nômades através da vida noturna fazendo desaparecer o perfume
das velas e dos violinos que brota dos túmulos sob as nuvens de
chuva
fagulha de lua partida precipitava nos becos frenéticos onde
cafetinas magras ajoelhadas no tapete tocando o trombone de vidro
da Loucura repartiam lascas de hóstias invisíveis
a náusea circulava nas galerias entre borboletas adiposas e
lábios de menina febril colados na vitrina onde almas coloridas
tinham 10% de desconto enquanto costureiros arrancavam os ovários
dos manequins
minhas
alucinações pendiam fora da alma protegida por caixas de
matéria
plástica eriçando o pêlo através das ruas iluminadas e nos arrabaldes
de lábios apodrecidos
na solidão de um comboio de maconha Mário de Andrade surge como um
Lótus colando sua boca no meu ouvido fitando as estrelas e o céu
que renascem nas caminhadas
noite profunda de cinemas iluminados e lâmpada azul da alma desarticulando
aos trambolhões pelas esquinas onde conheci os estranhos
visionários da Beleza
plástica eriçando o pêlo através das ruas iluminadas e nos arrabaldes
de lábios apodrecidos
na solidão de um comboio de maconha Mário de Andrade surge como um
Lótus colando sua boca no meu ouvido fitando as estrelas e o céu
que renascem nas caminhadas
noite profunda de cinemas iluminados e lâmpada azul da alma desarticulando
aos trambolhões pelas esquinas onde conheci os estranhos
visionários da Beleza
já
é quinta-feira na avenida Rio Branco onde um enxame de Harpias
vacilava com cabelos presos nos luminosos e minha imaginação
gritava no perpétuo impulso dos corpos encerrados pela
Noite
os banqueiros mandam aos comissários lindas caixas azuis de excrementos
secos enquanto um milhão de anjos em cólera gritam nas assembleias
de cinza OH cidade de lábios tristes e trêmulos onde encontrar
asilo na tua face?
no espaço de uma Tarde os moluscos engoliram suas mãos
em sua vida de Camomila nas vielas onde meninos dão o cu
e jogam malha e os papagaios morrem de Tédio nas cozinhas
engorduradas
E a Bolsa de Valores e os Fotógrafos pintaram seus lábios com urtigas
sob o chapéu de prata do ditador Tacanho e o ferro e a borracha
verteram monstros inconcebíveis
ao sudoeste do teu sonho uma dúzia de anjos de pijama urinam com
transporte e em silêncio nos telefones nas portas nos capachos
das Catedrais sem Deus
arte culinária ensinada nos apopléticos vagões da Seriedade por
quinze mil perdidas almas sem rosto destrinçando barrigas
adolescentes numa Apoteose de intestinos
porres acabando lentamente nas alamedas de mendigos perdidos esperando
a sangria diurna de olhos findos e neblina enrolada na voz
exaurida na distância
cus de granito destruídos com estardalhaço nos subúrbios demoníacos pelo
cometa sem fé meditando beatamente nos púlpitos agonizantes
minhas tristezas quilometradas ir pela sensível persiana semi-aberta da
Pureza Estagnada e gargarejo de amêndoas emocionante nas palavras
cruzadas no olhar
as névoas enganadoras das maravilhas consumida ir sobre o arco-íris
de Orfeu amortalhado despejavam um milhão de crianças atrás das
portas sofrendo
nos espelhos meninas desarticuladas pelos mitos recém-nascidos vagabundeavam
acompanhadas pelas pombas a serem fuziladas pelo veneno
da noite no coração seco do amor solar
meu pequeno Dostoiévski no último corrimão do ciclone de almofadas
furadas derrama sua cabeça e sua barba como um enxoval noturno
estende até O Mar
no exílio onde padeço angústia os muros invadem minha memória
atirada no Abismo e meus olhos meus manuscritos meus amores
pulam no Caos
vacilava com cabelos presos nos luminosos e minha imaginação
gritava no perpétuo impulso dos corpos encerrados pela
Noite
os banqueiros mandam aos comissários lindas caixas azuis de excrementos
secos enquanto um milhão de anjos em cólera gritam nas assembleias
de cinza OH cidade de lábios tristes e trêmulos onde encontrar
asilo na tua face?
no espaço de uma Tarde os moluscos engoliram suas mãos
em sua vida de Camomila nas vielas onde meninos dão o cu
e jogam malha e os papagaios morrem de Tédio nas cozinhas
engorduradas
E a Bolsa de Valores e os Fotógrafos pintaram seus lábios com urtigas
sob o chapéu de prata do ditador Tacanho e o ferro e a borracha
verteram monstros inconcebíveis
ao sudoeste do teu sonho uma dúzia de anjos de pijama urinam com
transporte e em silêncio nos telefones nas portas nos capachos
das Catedrais sem Deus
arte culinária ensinada nos apopléticos vagões da Seriedade por
quinze mil perdidas almas sem rosto destrinçando barrigas
adolescentes numa Apoteose de intestinos
porres acabando lentamente nas alamedas de mendigos perdidos esperando
a sangria diurna de olhos findos e neblina enrolada na voz
exaurida na distância
cus de granito destruídos com estardalhaço nos subúrbios demoníacos pelo
cometa sem fé meditando beatamente nos púlpitos agonizantes
minhas tristezas quilometradas ir pela sensível persiana semi-aberta da
Pureza Estagnada e gargarejo de amêndoas emocionante nas palavras
cruzadas no olhar
as névoas enganadoras das maravilhas consumida ir sobre o arco-íris
de Orfeu amortalhado despejavam um milhão de crianças atrás das
portas sofrendo
nos espelhos meninas desarticuladas pelos mitos recém-nascidos vagabundeavam
acompanhadas pelas pombas a serem fuziladas pelo veneno
da noite no coração seco do amor solar
meu pequeno Dostoiévski no último corrimão do ciclone de almofadas
furadas derrama sua cabeça e sua barba como um enxoval noturno
estende até O Mar
no exílio onde padeço angústia os muros invadem minha memória
atirada no Abismo e meus olhos meus manuscritos meus amores
pulam no Caos
Visão
de São Paulo à noite
Poema Antropófago sob Narcótico
Poema Antropófago sob Narcótico
Na
esquina da rua São Luís uma procissão de mil pessoas
acende velas no meu crânio
há místicos falando bobagens ao coração das viúvas
e um silêncio de estrela partindo em vagão de luxo
fogo azul de gim e tapete colorindo a noite, amantes
chupando-se como raízes
Maldoror em taças de maré alta
na rua São Luís o meu coração mastiga um trecho da minha vida
a cidade com chaminés crescendo, anjos engraxates com sua gíria
feroz na plena alegria das praças, meninas esfarrapadas
definitivamente fantásticas
há uma floresta de cobras verdes nos olhos do meu amigo
a lua não se apóia em nada
eu não me apóio em nada
sou ponte de granito sobre rodas de garagens subalternas
teorias simples fervem minha mente enlouquecida
há bancos verdes aplicados no corpo das praças
há um sino que não toca
há anjos de Rilke dando o cu nos mictórios
reino-vertigem glorificado
espectros vibrando espasmos
beijos ecoando numa abóbada de reflexos
torneiras tossindo, locomotivas uivando, adolescentes roucos
enlouquecidos na primeira infância
os malandros jogam ioiô na porta do Abismo
eu vejo Brama sentado em flor de lótus
Cristo roubando a caixa dos milagres
Chet Baker ganindo na vitrola
eu sinto o choque de todos os fios saindo pelas portas
partidas do meu cérebro
eu vejo putos putas patacos torres chumbo chapas chopes
vitrinas homens mulheres pederastas e crianças cruzam-se e
abrem-se em mim como lua gás rua árvores lua medrosos repuxos
colisão na ponte cego dormindo na vitrina do horror
disparo-me como uma tômbola
a cabeça afundando-me na garganta
chove sobre mim a minha vida inteira, sufoco ardo flutuo-me
nas tripas, meu amor, eu carrego teu grito como um tesouro afundado
quisera derramar sobre ti todo meu epiciclo de centopéias libertas
ânsia fúria de janelas olhos bocas abertas, torvelins de vergonha,
correias de maconha em piqueniques flutuantes
vespas passeando em voltas das minhas ânsias
meninos abandonados nus nas esquinas
angélicos vagabundos gritando entre as lojas e os templos
entre a solidão e o sangue, entre as colisões, o parto
e o Estrondo
acende velas no meu crânio
há místicos falando bobagens ao coração das viúvas
e um silêncio de estrela partindo em vagão de luxo
fogo azul de gim e tapete colorindo a noite, amantes
chupando-se como raízes
Maldoror em taças de maré alta
na rua São Luís o meu coração mastiga um trecho da minha vida
a cidade com chaminés crescendo, anjos engraxates com sua gíria
feroz na plena alegria das praças, meninas esfarrapadas
definitivamente fantásticas
há uma floresta de cobras verdes nos olhos do meu amigo
a lua não se apóia em nada
eu não me apóio em nada
sou ponte de granito sobre rodas de garagens subalternas
teorias simples fervem minha mente enlouquecida
há bancos verdes aplicados no corpo das praças
há um sino que não toca
há anjos de Rilke dando o cu nos mictórios
reino-vertigem glorificado
espectros vibrando espasmos
beijos ecoando numa abóbada de reflexos
torneiras tossindo, locomotivas uivando, adolescentes roucos
enlouquecidos na primeira infância
os malandros jogam ioiô na porta do Abismo
eu vejo Brama sentado em flor de lótus
Cristo roubando a caixa dos milagres
Chet Baker ganindo na vitrola
eu sinto o choque de todos os fios saindo pelas portas
partidas do meu cérebro
eu vejo putos putas patacos torres chumbo chapas chopes
vitrinas homens mulheres pederastas e crianças cruzam-se e
abrem-se em mim como lua gás rua árvores lua medrosos repuxos
colisão na ponte cego dormindo na vitrina do horror
disparo-me como uma tômbola
a cabeça afundando-me na garganta
chove sobre mim a minha vida inteira, sufoco ardo flutuo-me
nas tripas, meu amor, eu carrego teu grito como um tesouro afundado
quisera derramar sobre ti todo meu epiciclo de centopéias libertas
ânsia fúria de janelas olhos bocas abertas, torvelins de vergonha,
correias de maconha em piqueniques flutuantes
vespas passeando em voltas das minhas ânsias
meninos abandonados nus nas esquinas
angélicos vagabundos gritando entre as lojas e os templos
entre a solidão e o sangue, entre as colisões, o parto
e o Estrondo
…
A
PIEDADE
Eu
urrava nos poliedros da Justiça meu momento
abatido na extrema paliçada
os professores falavam da vontade de dominar e da
luta pela vida
as senhoras católicas são piedosas
os comunistas são piedosos
os comerciantes são piedosos
só eu não sou piedoso
se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria
aos sábados à noite
eu seria um bom filho meus colegas me chamariam
cu-de-ferro e me fariam perguntas: por que navio
bóia? por que prego afunda?
eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as
estátuas de fortes dentaduras
iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos
pederastas ou barbudos
eu me universalizaria no senso comum e eles diriam
que tenho todas as virtudes
eu não sou piedoso
eu nunca poderei ser piedoso
meus olhos retinem e tingem-se de verde
Os arranha-céus de carniça se decompõem nos
pavimentos
os adolescentes nas escolas bufam como cadelas
asfixiadas
arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através
dos meus sonhos.
abatido na extrema paliçada
os professores falavam da vontade de dominar e da
luta pela vida
as senhoras católicas são piedosas
os comunistas são piedosos
os comerciantes são piedosos
só eu não sou piedoso
se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria
aos sábados à noite
eu seria um bom filho meus colegas me chamariam
cu-de-ferro e me fariam perguntas: por que navio
bóia? por que prego afunda?
eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as
estátuas de fortes dentaduras
iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos
pederastas ou barbudos
eu me universalizaria no senso comum e eles diriam
que tenho todas as virtudes
eu não sou piedoso
eu nunca poderei ser piedoso
meus olhos retinem e tingem-se de verde
Os arranha-céus de carniça se decompõem nos
pavimentos
os adolescentes nas escolas bufam como cadelas
asfixiadas
arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através
dos meus sonhos.
Roberto
Piva
para
ouvir
in:
Paranoia / 1963
online
em
Roberto
Piva
nasceu
em São Paulo no dia 25 de setembro de 1937.
[Faleceu em São Paulo em 3 de julho de 2010] Poeta
ligado aos marginais dos anos 60, esteve na Antologia dos Novíssimos
de Massao Ohno em 1961 e em 26 Poetas Hoje de Heloisa Buarque de
Holanda. Foi professor na rede de ensino público, produtor de shows
de rock e é um dos três únicos poetas brasileiros a ser citado no
Dicionário Geral do Surrealismo publicado na França.
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