sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Assim disse Zaratustra - Friedrich Nietzsche








FRIEDRICH NIETZSCHE


Also Sprach Zarathustra


Das Nachtlied
A CANÇÃO NOTURNA


A noite caiu: ressoam agora todas as fontes transbordantes. E também minha alma é uma fonte transbordante.

A noite caiu: agora despertam todas as canções daqueles que ama. E também minha alma é a canção daqueles que amam.
Há algo insaciado, insaciável em mim, e deseja falar. Um desejo de amor, em mim, que fala a própria linguagem do amor.
Eu sou luz: ah, se eu fosse noite! Porém eis a minha solidão: estou cercado de luz.
Ah, se eu fosse sombrio e noturno! Como eu desejaria sugar os seios da luz!

E até vós mesmos, eu abençoaria, pequenos astros cintilantes e vagalumes,
nas alturas! - e seria feliz com as vossas dádivas de luz.

Porém eu vivo em minha própria luz, absorvo em mim mesmo as chamas que saem de mim.
Não conheço a alegria dos que recebem: e muitas vezes tenho sonhado que roubar é melhor do que receber.
Eis a minha pobreza: que minha mão não pára de dar presentes; é esta a minha inveja: que vejo olhos à espera e as noites iluminadas de Desejo.
Ó desgosto de todos os generosos! Ó eclipse de meu sol! Ó desejo de desejar! Ó fome devorante na saciedade!
Eles recebem os meus presentes; porém ainda atingirei as almas deles? Existe um abismo entre o dar e o receber; e também o menor dos abismos deve ser transposto.
Uma fome brota de minha beleza: desejaria ferir aqueles que ilumino; desejaria saquear aqueles que presenteio: pois tenho fome de maldade.
Afastar a mão, quando a outra se lhe estende; hesitar, tal uma cascata, que hesita ao precipitar-se: pois tenho fome de maldade.
Minha riqueza medita tal vingança: tal malícia nasce de minha solidão.
Minha alegria em dar extinguiu-se ao dar, minha virtude cansou-se de si mesma em sua abundância.
Quem presenteia, corre o perigo de perder a vergonha; quem sempre compartilha, de tanto compartilhar, cria calos em suas mãos e coração.
Meus olhos não choram mais diante da vergonha dos suplicantes; minha mão está muito áspera, para sentir o tremor das mãos satisfeitas.
Onde estão as lágrimas de meus olhos e a leveza de meu coração? Ó solidão de todos os generosos! Ó silêncio de todos os doadores de luz!
Muitos sóis gravitam nos espaços vazios: para toda a escuridão eles falam através da luz - comigo, continuam silenciosos.
Oh, essa é a inimizade da luz contra tudo o que é luminoso: sem piedade, ela segue sua órbita.
Injusto com tudo o que é luminoso, no íntimo do coração, frio para com os outros sóis - assim vagueia todo sol.
Tal um temporal, os sóis seguem em suas órbitas: é esse o seu curso. A inexorável vontade eles seguem: é essa a sua frieza.
Oh, somente vós, obscuros, sombrios seres, podeis sugar o calor dos corpos luminosos!
Somente vós podeis beber o leite e o conforto dos úberes de luz!
Ah, o gelo ao redor de mim, minha mão queima-se no gelo! Ah, uma sede em mim, que anseia por vossa sede.
A noite caiu: ai de mim, que preciso ser luz! E sede do que é noturno! E solidão!
A noite caiu: tal uma nascente, rompe de mim o meu desejo - ao impelir-me ao falar.
A noite caiu: as vozes se elevam de todas as fontes transbordantes. E também minha alma é uma fonte transbordante.
A noite caiu: eis agora despertas todas as canções dos que amam. E também a minha alma é uma canção dos que amam.
Assim cantou Zaratustra.


Das Nachtlied
A Canção Noturna



Trad. livre: LdeM





NIETZSCHE

ASSIM DISSE ZARATHUSTRA
Von den Dichter
DOS POETAS
 
(trecho)


(...)


Mas aceitemos que já tenha sido dito, seriamente, que os
poetas mentem demais: e com razão – NÓS mentimos demais.

Também pouco sabemos e mal aprendemos; assim,
precisamos mentir.

E quem dentre nós, poetas, não tem alterado o seu vinho ?
Muito veneno se misturou em nossas adegas, muito de
censurável se fez.

E por sabermos tão pouco, gostamos, de todo o coração,
dos pobres de espírito, especialmente se são mulheres jovens.

E assim somos ávidos até das coisas que as velhas, à noite,
contam uma às outras. Chamamos a isso, em nós, o eterno
feminino.

E, como se houvesse um acesso especial e secreto ao saber,
Inacessível aos que aprendem algo: acreditamos no povo e
na sua ‘sabedoria’.

Mas nisso acreditam os poetas: que aquele que, deitado
na grama ou em solitária colina, aplica o ouvido, aprende um
pouco das coisas que há entre o céu e a terra.

E, quando se tomam de ternura, os poetas sempre julgam
que a natureza se apaixonou por eles –

E que se insinua em seus ouvidos; com segredos e amados
elogios dos quais, orgulham-se e vangloriam-se diante de todos
os mortais!

Ai de nós, há tantas coisas entre o céu e a terra com que
somente sonharam os poetas !

E principalmente acima do Céu: pois todos os Deuses são
metáforas e artimanhas de Poetas!

Em verdade, algo nos guia para o alto – precisamente, para
o reino das nuvens: nelas pousamos os nossos trajes em cores
e, então, chamamos-lhes deuses e acima-dos-homens.

E deveras, todos são leves para tal sede – esses deuses e
acima-dos-homens !

Coitado de mim, estou cansado de todos esses insuficientes,
em pretenso Acontecimento. Coitado de mim, como estou
cansado dos poetas !

(...)


Assim disse Zarathustra.


Trad. livre:
LdeM



Friedrich Nietzsche, filólogo, pensador e Poeta alemão
(15 de outubro de 1844 - 25 de agosto de 1900)


Also sprach Zarathustra


para ler & ouvir


http://www.gutenberg.org/cache/epub/7205/pg7205.html

sobre o pensamento de Nietzsche





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