sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Conversa sobre Poesia com o Fiscal de rendas - Maiakóvski





VLADIMIR MAIAKÓVSKI


РАЗГОВОР С ФИНИНСПЕКТОРОМ О ПОЭЗИИ

CONVERSA SOBRE POESIA COM O FISCAL DE RENDAS


Cidadão fiscal de rendas!
                                       Desculpe a liberdade.
Obrigado...
                 Não se incomode...
                                               Estou à vontade.
A matéria
                 que me traz
                                   é algo extraordinária:
o lugar do
                    poeta
                               na sociedade proletária.
Ao lado
dos donos
de terras e vendas
estou também
citado
por débitos fiscais.
Você me exige
500 rublos
por 6 meses e mais
25 por falta
de declaração de rendas.
O meu trabalho
a todo
outro trabalho
é igual.
Veja só
quantas perdas de vulto,
que despesas
requerem
meus produtos
e quantos gastos
com material.
Você conhece
por certo
o fenômeno "rima":
suponha
que uma linha
finde na palavra "pai"
e que ao fim da
outra linha,
menos uma,
se imprima
por exemplo
a palavra
"lampaiapapai".
Em linguagem de fisco
a rima
é uma letra a termo fixo
para desconto
ao fim da linha
sem mais prazos.
E sai-se à caça
da minúcia
de flexão ou sufixo
na caixa escassa
das conjugações
e casos.
Tenta-se pôr
essa palavra
numa linha
mas ela não cabe,
força-se
e ela se esfarinha.
Cidadão fiscal de rendas,
eu lhe juro,
as palavras custam
ao poeta
um duro juro.
Para nós,
a rima
é um barril.
Barril de dinamite.
O verso, um estopim.
A linha se incendeia
e quando chega ao fim
explode
e a cidade em estrofe
voa em mil.
Onde encontrar
e a que tarifa
uma rima que mire
e mate de uma vez? Dela
talvez
ainda sobrevivam
cinco exemplares
nos confins
da Venezuela.
E tenho que enfrentar
pólos e saaras,
e me lanço
entre dívidas
e vales dividido.
Cidadão,
condescenda,
as passagens são caras!
A poesia
             - toda -
                     é uma viagem ao desconhecido.
A poesia
             é como a lavra
do rádio,
              um ano para cada grama.
Para extrair
                 uma palavra,
milhões de toneladas de palavras-prima.
Porém
que flama
de uma tal palavra emana
perto
das brasas
da palavra-bruta.
Essas palavras
põem em luta
milhões de corações
por milhares de anos.
Por certo
há poetas
de diversas classes.
Quanto vates
têm dedos ágeis!
Vertem versos
da boca
como mágicos,
tanto deles
como dos clássicos.
E que dizer
dos líricos castrados?!
Furtam
linhas alheias
e se fartam -
tipo
de peculato
dos mais alastrados
neste país, entre outros peculatos.
Esses
versos e odes
que os simplórios
aplaudem hoje
com soluços e confetes
passarão
à história
como os gastos acessórios
da obra
que fizemos,
dois ou três poetas.
Come,
como se diz,
quilos de sal,
maços
e maços
de cigarros consome
para extrair
a palavra essencial
das profundezas
artesianas do homem.
E de repente
o imposto
já não é tão caro.
Tire
a roda de um zero
do total!
Um rublo e noventa
custam os cigarros,
Um e sessenta,
o quilo de sal.
No questionário
há um monte de quesitos:
"O Sr. fez viagens?
Sim ou não?"
Mas como,
se eu fiz voos infinitos
em dezenas de pégasos
nestes 15 anos?!
E agora
             - ponha-se no meu lugar -
                                                   nesta coluna
há algo
           sobre criados
                               e fortuna.
Mas como,
                se sou dirigente
e servidor
                 também
                              de toda a gente?
A classe
              fala
                       pela nossas palavras.
Nós somos
                 proletários
                                 e motores da pena.
A máquina
da alma
com os anos se trava,
e dizem:
- Ao arquivo!
Acabou-se.
Um de menos!
Menos amor,
cada vez menos ações,
e o tempo
na corrida
minhas têmporas esmaga.
E vem
a mais terrível
das amortizações,
a de almas e corações
- última paga.
E quando
este sol
cevado como um porco
se erguer
sobre um porvir
sem mutilados nem mendigos

estarei
podre e morto,
de borco,
junto
de uma dezena
de colegas.
Façam
o meu balanço
a posteriori!
Mas eu afirmo
(e sei
que meu verso não mente):
no meio
dos atuais
traficantes e finórios
eu estarei
- sozinho! -
devedor insolvente.
A nossa dívida
é uivar
com o verso,
entre a névoa burguesa,
boca brônzea de sirene.
O poeta
é o eterno
devedor do universo
e paga
em dor
porcentagens
de pena.

Eu
    estou em dívida
                         com os lampiões da Broadway,
com o Exército Vermelho,
                               com vocês,
                                              céus de Bagdádi*,
as cerejeiras do Japão
                                  e toda a infinidade
a que eu não pude dar
                                  a sobra de uma ode.
Mas para que
                     afinal
                              estas molduras são?
Para que fazer
da rima, mira
e do ritmo, chibata?
A palavra do poeta
é a tua ressurreição,
a tua imortalidade,
cidadão burocrata.
Daqui a séculos,
do papel mudo
toma um verso
e o tempo ressuscita.
E volverá
este dia,
seus fiscais de tributos,
a miragem dos mitos
e a catinga de tinta.
Convicto vivente contemporâneo,
compra
no Comissariado
uma passagem para a imortalidade
e, computados,
os efeitos do verso,
reparte,
o meu salário
por trezentos anos!
Mas a força do poeta
não se reduz só
a que te lembrem
no futuro
entre soluços.
Não!
Hoje também
a rima do poeta
é carícia
slogan
açoite
baioneta.
Cidadão fiscal de rendas,
eu encerro.
Pago os 5
e risco
todos os zeros.
Tudo
        o que quero
                           é um palmo de terra
ao lado
            dos mais pobres
                                 camponeses e obreiros.
Porém
          se vocês pensam
                                    que se trata apenas
de copiar
              palavras a esmo,
eis aqui, camaradas,
                              minha pena,
podem
             escrever
                            vocês mesmos!


1926

    * aldeia na qual nasceu o poeta.
trad. Augusto de Campos


in: Maiakóvski – Poemas . trad. Boris Schnaiderman, Augusto & Haroldo de Campos. São Paulo: Perspectiva.


no original em


mais poemas em






no original russo em



Nenhum comentário:

Postar um comentário